terça-feira, 26 de setembro de 2017

ADOLESCÊNCIA



                        Se nunca nos afastamos por mais de uma, duas semanas de férias.
                        Se ela ainda se ajeita no colo mesmo que sobrem pernas e braços.
                        Se ajudo a colocar o uniforme e pentear seus lindos cabelos, cada dia com um penteado diferente.
                        Se faço uma nuvem de perfume sobre ela quando fica pronta para a escola.
                        Se ela não consegue passar diante da minha porta sem entrar e correr para seus recantos favoritos, onde foi criada desde bebezinha.
                       Se estuda aqui, conta seus segredos brincando com as almofadas, reclama dos castigos, das incompreensões, da traição das amigas.
                       Se estamos assim sempre juntas, quando foi que ela cresceu e mudou tanto?!
                       De repente, o espelho é consultado com mais frequência e demoradamente. Criticamente até.
                       De uma hora para outra ela passou a comer muito mais e a rejeitar categoricamente alimentos de que gostava pouco.
                      Agora enfrenta e questiona as ordens, muitas vezes em lágrimas e todas as exigências lhe parecem exageradas e equivocadas, sentindo-se quase sempre injustiçada.
                     Num dia é doce, obediente, amorosa; no outro já acorda teimando, emburrada, desafiadora.
                      Seu corpo lhe foge ao controle, num tal de espichar braços e pernas, rechear a silhueta antes tão delgada da infância com músculos fortes e formas arredondadas.
                      Tanto mentiu que precisava de óculos, tanto levou furtivamente os primeiros óculos da vovó para a escola que acabou descobrindo que a genética materna foi mais forte e ela herdou, além dos lindos cabelos, a miopia da mãe.
                      Agora, assustada, ela descobre que o mundo não é todo doce e cor-de-rosa e que existem pessoas más de quem deve se afastar.
                      Ao invés de estimulada a conversar e sorrir para as pessoas como quando era menor, lhe dizem que não deve dar nenhuma atenção aos estranhos e que alguns homens podem ser muito maus com as menininhas.
                     Continuamos conversando muito e me encanto ao ver seus trejeitos, suas maneiras de menina crescida, os olhares, os sorrisos, os cantos da boca se contorcendo para contar o que lhe desagradou.
                    Difícil obedecer o tempo todo com tanto mundo para descobrir!
                    Cada vez mais chato ficar decorando a tabuada enquanto a cabeça pulula de ideias e conclusões apressadas sobre tudo e sobre todos.
                    Nem todas as crianças têm uma adolescência plena e sofrida. Algumas passam por ela quase incólumes, com o mesmo temperamento manso que sempre tiveram e as mudanças se limitam às formas corporais. Os meninos, de maneira geral, sentem menos essa passagem do tempo, ainda que mudem até a voz e se encharquem de hormônios.
                    As crianças mais intensas podem sofrer bastante e cabe ao adulto tentar amenizar essa fase complicada, em que elas procuram se entender e se conhecer melhor, assim como passam a enxergar com outros olhos os adultos que as rodeiam. O fato é que elas deixam de ser um apêndice dos pais e tentam romper, aos poucos, os resquícios do cordão umbilical.
                    De repente, se aninham no colo do pai, da mãe e voltam a ser aquelas menininhas que na verdade ainda são, exagerando no dengo, nos mimos, nas brincadeiras infantis e dando um refresco às novas perplexidades dos genitores.
                   Amor, amor, amor. Paciência, maturidade, diálogo sem gritos, menos castigos e mais estímulos, tempo para ouvir, interesse pelos assuntos delas, beijos, abraços, companheirismo.
                   É disso que os adolescentes precisam para atravessar essa fase tão conturbada da vidinha deles que, graças aos hormônios dos alimentos, começa cada vez mais cedo.
                    Ainda ontem minha Piccolina dormia no meu colo na cadeira de balanço.
                    Agora, quando exagero nos mimos diante das suas amigas, me diz com um sorriso encabulado:
                   - Não me envergonha vó!


Um comentário:

Christine Araujo disse...

Pois não é? Como seria sem graça a vida se não houvessem essas e outras mudanças? Texto lindo prima!